Identidade e Modernidade

A identidade em questão
Nas teorias sociais a questão de identidade é sempre posta em questão. As velhas identidades estão em declínio, o que acarreta no surgimento de novas identidades e na fragmentação do sujeito moderno. Esta crise de identidade é parte de um processo mais amplo de mudança, que desloca as estruturas e processos centrais da sociedade, abalando quadros referenciais de estudo.


Três concepções de identidade
Existem três concepções de identidade:
a) Do sujeito do iluminismo - baseado na concepção de pessoa humana como indivíduo totalmente centrado. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.
b) Do sujeito sociológico – Núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas formado por influências culturais e de convívio social. A identidade aqui costura e contextualiza o sujeito à estrutura na qual instaura-se.
c) Do sujeito pós-moderno – Alguns conceitos mudaram e o indivíduo passa a ter uma identidade mais fragmentada, composta por várias identidades, uma “celebração móvel”, definida histórica e não biologicamente.
As sociedades modernas são compostas por rápidas e frequentes mudanças, o que as diferencia das sociedades tradicionais, sendo também uma forma altamente reflexiva de vida, com a constante análise e reformulação de práticas sociais.

O caráter da mudança na modernidade tardia
Anthony Giddens fala sobre a extração das relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação ao longo de escalas indefinidas de espaço-tempo, que cita como “desalojamento do sistema social”.
David Harvey fala sobre modernidade como “caracterizada por um processo sem fim de rupturas e fragmentações internas de seu próprio interior.
Ernest Laclau utiliza conceito de “deslocamento”, dizendo que as sociedades modernas não possuem centro, não é unificada, mas constantemente descentrada, deslocada por forças fora de si mesma.
Sociedades da modernidade tardia são marcadas pela diferença, diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem diversas identidades. Mas para haver história a estrutura da identidade permanece aberta.
O deslocamento possui características também positivas, a “recomposição da estrutura em torno de pontos nodais particulares de articulação”, a criação de novas identidades e sujeitos.

Nascimento e morte do sujeito moderno
Raymond Williams afirma que, por um lado o sujeito é “indivisível” – entidade unificada em seu próprio interior, não podendo ser dividida além disso; e também é “singular, distintiva e única”. Esta concepção foi auxiliada pela Reforma e pelo Protestantismo, que retiraram a hegemônica alienação religiosa; o Humanismo Renascentista, que colocou o Homem ao centro do universo, as revoluções científicas, que conferiu ao Homem as técnicas e instrumentos necessários para pesquisar a natureza e o Iluminismo centrado na imagem do Homem racional.
René Descartes foi importante figura para a filosofia ocidental, postulando duas substâncias distintas, a espacial (matéria) e a pensante (mente). Usava o artifício do reducionismo essencial para os experimentos e reflexões. Colocou o sujeito pensante no meio da mente.
John Locke contribuiu aos estudos definindo o indivíduo em termos da “mesmidade de um ser racional”, uma entidade que permanecia a mesma e que era contínua com seu sujeito. O “indivíduo soberano” está inscrito em cada um dos processos e práticas que fizeram o mundo moderno.
Com o desenvolvimento capitalista e a Revolução Industrial, o cidadão individual tornou-se enredado nas maquinarias burocráticas e administrativas do estado moderno. Isto levou à emersão de uma concepção mais social de sujeito. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado e “definido” no interior das grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade moderna.
Surgiram dois importantes eventos que contribuíram para articular um conjunto mais amplo de fundamentos conceptuais para o sujeito moderno: a biologia darwiana, onde o sujeito humano foi “biologizado”, estudo do desenvolvimento físico do cérebro humano; e o surgimento das novas ciências sociais. As transformações que isto pôs em ação foram desiguais.

Descentrando o sujeito
Dentre os cinco grandes avanços na teoria social e nas ciências humanas ocorridas no pensamento, no período da modernidade tardia, o descentramento final do sujeito cartesiano.
A primeira descentração importante refere-se às tradições do pensamento marxista. Althusser afirmou que, ao colocar as relações sociais (modos de produção, exploração da força de trabalho, circuitos do capital) e não uma noção abstrata de homem no centro de seu sistema teórico, Marx deslocou duas proposições-chave da filosofia moderna:
a) Que há uma essência universal de homem;
b) Que essa essência é o atributo de “cada indivíduo singular”, o qual é seu sujeito real.
O “anti-humanismo teórico” teve um impacto considerável sobre muitos ramos do pensamento moderno.
O segundo grande “descentramentos” vem da descoberta do inconsciente por Freud. Esta teoria de que nossas identidades, nossa sexualidade e a estrutura de nossos desejos são formados com base em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente, que funciona de acordo com uma “lógica” muito diferente daquela da Razão, arrasa com o conceito do sujeito cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada do sujeito de Descartes.
O terceiro descentramento associa-se com o trabalho do linguista estrutural Ferdinand de Saussure, que argumentava que nós não somos os “autores” das afirmações que fazemos ou dos significados que expressamos na língua. A língua é um sistema social e não individual, preexiste a nós, não podemos ser seus autores. Os significados das palavras não são fixos, numa relação um-a-um com os objetos ou eventos no mundo existente fora da língua. O significado surge nas relações de similaridade e diferença que as palavras têm com outras palavras no interior do código da língua.
O quarto descentramento principal da identidade e do sujeito ocorre no trabalho do filósofo e historiados francês Michel Foucault. Foucault destaca um novo tipo de poder, chamado poder disciplinar, que está preocupado, em primeiro lugar, com a regulação, a vigilância é o governo da espécie humana ou de populações inteiras e, em segundo ligar, do indivíduo e do corpo.
O objetivo do “poder disciplinar” consiste em manter “as vidas, as atividades, o trabalho, as infelicidades e os prazeres do indivíduo”, assim como sua saúde física e moral, suas práticas sexuais e sua vida familiar, sob estrito controle e disciplina, com base no poder dos regimes administrativos, do conhecimento especializado dos profissionais e no conhecimento fornecido pelas “disciplinas” das Ciências Sociais. Seu objetivo básico consiste em produzir “um ser humano que possa ser retratado como um corpo dócil”.
O quinto descentramento é o impacto do feminismo, tanto como uma crítica teórica quanto como um movimento social ao questionar a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e “público”; abrir para a contestação pública arenas inteiramente novas da vida social (família, sexualidade, trabalho doméstico, etc). Também enfatizou, como questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados. O que começou como um movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero. O feminismo, por fim, questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a “Humanidade”, substituindo-a pela questão da diferença sexual.

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