Análise do filme Ladrões de Bicicleta



Analisaremos o filme “Ladrões de Bicicleta”, de De Sica, pertencente ao Neo-Realismo, movimento italiano da década de 40.
Abordaremos aqui diversos itens e questões a respeito desse grande clássico do cinema italiano.


Analisaremos relações e influências da vida do diretor, do movimento estético da época presente no filme. Qual o padrão criativo dos filmes de Vittorio de Sica posto em sua obra, sua individualidade, seu modo particular de fazer cinema.
Contanto ao movimento estético, analisaremos a aplicação do Neo-Realismo italiano ao filme, quais elementos podem ser encontrados, que justificam essa forma de criação cinematográfica.
É um trabalho abrangente, que fará também uma análise e associação das correntes de pensamento e filosofia de Michel Foucalt ao filme. Como o desenrolar do filme, a ideologia central e até mesmo as entrelinhas relaciona-se com as formas de pensamento e teoria desse filósofo. Analisando assim as presenças de momentos de relações de poder no enredo, entre outros importantes elementos.
Trataremos, portanto, desde aspectos e análises muito técnicas, inclusive relacionando o filme com a habilitação de Rádio e TV, até conceitos bem filosóficos.
Como diria Foucault, estaremos nesse filme realizando um processo arqueológico, desmembrando e analisando a obra a partir de determinados conceitos e visões, sorvendo e percebendo dessa forma todas suas informações e especificidades.
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Sinopse e análise de acordo com a habilitação de Rádio e TV
Ladrões de Bicicleta (Ladri di biciclette), de Vittorio de Sica, 1948, é um clássico do cinema italiano.
Trata-se de uma história bem pessoal, basicamente um estudo de caso, na Itália pós primeira-guerra. O filme é sobre um homem, Antonio, de origem humilde, que consegue uma oportunidade de emprego indispensável. Porém, para conseguir esse emprego, necessita possuir uma bicicleta.
Ele havia penhorado a bicicleta, uma Fides vermelha, para comprar alimentos para sua família. Necessita, então, recupera-la. Vende seus lençóis e assim consegue o dinheiro para recuperar sua bicicleta.
Inicia então seu primeiro dia de trabalho, colando cartazes pelas ruas. Logo em seu primeiro dia de trabalho, uma grande decepção. Sua bicicleta é furtada. Tenta, em vão, perseguir o ladrão. Mesmo auxiliado por um senhor que dirigia um carro, perde a pista do suspeito.
Após o triste fato, dirige-se a delegacia de polícia, em busca de ajuda para recuperar seu bem perdido. O policial diz que nada pode fazer por ele, a não ser registrar a queixa, caso encontre a bicicleta em algum mercado de barganha.
Sem sucesso com a polícia, vai ao encontro de um amigo, em busca de ajuda. Seu amigo então, juntamente com alguns homens auxiliam o protagonista e seu filho a procurarem pela bicicleta, pelos mercados de barganha. Porém, cientes que a bicicleta, a essa hora já estaria desmontada, buscam por seus componentes. Novamente não consegue recuperar a bicicleta, e nem obter pistas.
Como última esperança, dirige-se a Porta Portise. Lá ele avista o ladrão, conversando com um senhor. Persegue novamente o homem, que mais uma vez consegue escapar. Sem outra alternativa, vai atrás de sua única pista, o senhor que conversava com o ladrão.
Após procura e perseguição, ele encontra o velho em uma ponte, que diz não ter nada haver com o assunto, e vai embora. Insistindo no senhor, Antonio o encontra em um albergue, durante a missa. Ameaçando chamar a polícia, obriga o senhor a dizer onde o ladrão encontra-se e diz que ele irá junto, como uma garantia. Porém, o velho consegue despistar Antonio, e desaparece.
Com a cabeça confusa pelos acontecimentos, o pobre homem discute com seu filho, Começa então procurar pelo velho. Durante sua busca, ouve gritos que informam sobre o afogamento de um menino. Rapidamente ele corre, preocupado com Bruno, seu filho.
Alivia-se ao perceber que o garoto que se afogava não era Bruno. Seu filho estava esperando-o ao alto da escadaria.
Segue então um dos trechos mais interessantes do filme. Percebemos um sentimento de remorso, ressentimento de Antonio, ao brigar com o filho e em seguida temer pelo seu afogamento. Quer então se aproximar do garoto, convidando-o para ir comer pizza.
No restaurante, que não servia pizza, ele pede uma garrafa de vinho e pão com mussarela, dizendo ao filho que por hora esqueça os problemas, alegre-se e seja feliz.
Notando o rosto preocupado do garoto, Antonio retoma a questão da bicicleta. Diz que é importante e mostra ao filho, através de cálculos, quanto que o emprego os ajudaria.
Eles não ganhariam o suficiente para comer como os ricos que estavam no restaurante, mas poderiam viver bem melhor.
Saindo do restaurante, ele decide consultar a vidente que sua esposa freqüentava. A vidente não o ajuda, não fornece pistas sobre o paradeiro do ladrão. Apenas diz que se ele não recuperasse a bicicleta naquela manhã, nunca mais a veria. Ele, desconsolado, paga a vidente e sai.
Saindo defronta-se novamente com o ladrão, que novamente tenta escapar.
Porém, dessa vez ele o alcança, e o segue para a moradia do rapaz. Ao pressionar o rapaz para que confesse o roubo, ele é cercado e defrontado por outros ladrões que lá estavam. O rapaz que roubou a bicicleta finge passar mal e se debater, criando um show, apoiado pela sua mãe.
Seu filho consegue escapar, e chama um policial, que chega em breve.
O policial então questiona se ele possui certeza de que aquele homem era o culpado. Antonio diz que sim, que apesar de o ver quando correu, lembra-se de seu rosto. Problemas surgem, quando o policial o alerta para o fato de ele não possuir nomes de testemunhas que presenciaram a cena, enquanto todos os outros ladrões testemunhariam pelo rapaz. Após vasculhar a casa do ladrão e não encontrar vestígios da bicicleta, o policial diz a Antonio que ele está sem sorte.

O protagonista então, irritado, desiste do ladrão, e retira-se.
Após observar várias bicicletas, várias pessoas aglomeradas, andando, saindo com suas bicicletas, Antonio tem então um pensamento. Entrega dinheiro para que seu filho pegue o bonde e o espere em outro local.
Após isso, ele tenta roubar uma bicicleta. Seu plano não funciona, ele é pego, e o desapontamento é notado no rosto de Bruno, que sai gritando pelo pai.
O dono da bicicleta roubada reflete então sobre o fato, percebe que Antonio possui muitos problemas, como o mau exemplo que deu ao seu filho, e decide então não fazer uma queixa contra o pobre homem.
O filme termina então com Antonio desconsolado segurando a mão de seu filho, enquanto caminha, em uma falha tentativa de esconder seu ressentimento…
Relacionando com a habilitação de Rádio e TV, temos todos os elementos técnicos citados anteriormente, no primeiro item, que o compara com o movimento estético neo-realista.
Além de destacar toda essa parte técnica de cores (uso do preto e branco), closes, panorâmica de cor, áudio, trilha sonora, atuação, que é a forma de relacionar o filme com a habilitação de Rádio e TV, podemos acrescentar a isso a importância ideológica que esta obra tem para nossa habilitação.
Ideologicamente, este filme é muito importante por passar uma mensagem interessante, típica do neo-realismo italiano. Através desse filme, pode-se notar como inserir filosofia em um roteiro, como desenvolver um roteiro de filme que se volta a uma crítica social. Um filme que consiga transmitir uma mensagem com base em uma boa ideologia, com o intuito de ampliação e libertação da mente humana.
Esse conceito neo-realista, da quebra ao tradicionalismo e desterrioralização é de grande peso para esta importante habilitação.
Além desse contexto filosófico, de passar mensagens e, inclusive, mostrar cenas onde nota-se relações de poder da teoria foucaultiana, a elaboração do filme, elementos utilizados são de grande crescimento para a habilitação. Quando o autor utiliza como atores pessoas comuns ligadas àquela realidade, foi uma escolha certeira, pois forneceu muito mais credibilidade e essência ao filme. Outro elemento importante, é o modo de filmar contínuo, sem as grandes quebras e voltas de passagens, que fazem com que a história, o filme siga um fluxo muito próximo ao de nossa vida, ao fluxo da vida, do mundo.
Saber essas formas de abordagens, essas linhas de pensamento e a colocação desses elementos, passar mensagens, a escolha do ator, do tipo de ator, a inovação, auxilia muito o profissional de Rádio e TV a possuir uma evolução técnica, através de uma abordagem muito mais abrangente do conteúdo. Voltando-se assim para sua própria obra, analisando-a por outro prisma, questionando-a, dialogando com ela, com a finalidade fluente de obter um melhor e mais convincente resultado.
Análise do autor e movimento estético

Podemos notar no filme “Ladrões de Bicicleta” pontos importantes e peculiares do diretor, Vittorio de Sica, de seu estilo. É muito interessante analisar uma obra deste diretor, que já produziu diversos filmes, não se limitando a poucas obras. Ele, diferentemente dos demais diretores, não utiliza atores consagrados, importantes, famosos. E, através disso, o filme fica com uma característica bem real, que é o realismo expressado.
Isso é uma característica do movimento estético da época, o Neo-Realismo.
É importante fazer essa análise, pois, ao se utilizar como atores pessoas que realmente vivenciam aquela cena, aquela realidade, isso passa muito mais essência e credibilidade ao filme. Afinal, a atuação, de certa forma deixa de ser apenas atuação, passa a ser sendo um apêndice da realidade da pessoa. Isso é muito notado, nota-se a emoção real das personagens, sua expressão, seus olhares, e não apenas algo feito como um ato ensaiado, de propósito cinematográfico. Essa proposta Neo Realista é bem inusitada e consegue fazer o que propõe, sendo um cinema revolucionário que acaba quebrando elos, estruturas prontas do cinema tradicional. A presente crítica ao tradicionalismo, à forma anterior de se fazer cinema é notada nos trabalhos de De Sica. Sempre, através de suas obras, expressando mensagens, informações, criando uma grande relação com o cotidiano, que acaba por causar a idéia de desterritorialização.
Por ser um cinema com esta estética revolucionário neo-realista, cinema com mensagens, conciso, De Sica acabou sendo mais reconhecido pelos grandes do que pelo povo em si.
Tecnicamente, esse filme marca muito bem sua época. Através de ângulos, planos de câmera, iluminação, posicionamentos de pessoas e objetos em cena, ele consegue transmitir, apesar das limitações técnicas da época, o universo deste personagem
Um exemplo de posicionamento e câmera pode ser notado na cena onde mostra a parte interna da casa de Antonio. Nesta cena, os closes e a posição da câmera é posta sempre focando próximo a uma parede, transmitindo a sensação de aperto, um local muito pequeno. A iluminação contrastada por sombras traz certa depressividade à cena, colaborando para um clima meio claustrofóbico.
Uma das cenas mais interessantes, tecnicamente, é quando Antonio dirige-se a Porta Portise. O elemento que torna essa cena especial é a chuva.
Como sabemos, a chuva nos filmes é artificial. Ela é gerada de forma artificial por dois motivos: Primeiramente, é inviável para o cineasta esperar o tempo colaborar, e chover no momento que ele precisa. Além de que a chuva não duraria tempo suficiente para realizar as tomadas. O segundo motivo: a chuva deve ser criada apenas no local da cena, nos lugares que serão filmados pela câmera, com um limite de abrangência. Se for uma chuva de verdade, geral, molharia os equipamentos, os estragaria.
Em Ladrões de Bicicleta, conseguiram representar a chuva de forma bem convincente.
Principalmente quando Antonio está dentro do carro, e a câmera é colocada como a visão de alguém no banco traseiro. Ou seja, pode-se ver as costas de Antonio, do motorista, e o vidro da frente do carro, podendo ver para onde o veículo dirige-se, a água caindo e escorrendo pelo vidro. Uma cena de fato bem construída.
As cenas de perseguição foram eficazes, por um elemento importante. Os planos abertos, onde observamos vários becos, portas, esquinas e saídas pelas ruas de Roma. Essa grande diversidade de situações, informações e possibilidades nos causa uma certa confusão mental, onde imaginamos que o fugitivo pode estar em qualquer canto, escondido em qualquer lugar, ter passado por qualquer uma daquelas portas e saídas. Isso traz uma sensação de inquietação, onde nos colocamos no lugar do personagem e pensamos: Para que lado eu vou, por onde procurar, será possível encontra-lo?
Os planos abertos mostram-se muito eficazes também nas cenas de perseguição, onde Antonio persegue a bicicleta correndo a pé. O plano aberto, com certo panorama, nos auxilia perceber a diferença de velocidade existente entre Antonio correndo, e o fugitivo pedalando, nos fazendo imaginar que não será possível alcança-lo. Já no final do filme, onde Antonio pedalando é alcançado pelos homens que correm a pé, o plano não é tão aberto e panorâmico. É mais lateral, com uma visão linear, não fornecendo tanta sensação de movimento para a bicicleta que, de fato, não é tão rápida, sendo alcançada pelos homens.
Os closes fechados de cena não funcionam apenas para criar o ambiente claustrofóbico da casa de Antonio. É utilizado também em outros momentos, como a cena em que mostra as pessoas tentando entrar no bonde. Para demonstrar o aglomerado de pessoas tentando entrar no transporte público, fechou-se o close na porta do bonde, que traz a idéia de um “apertamento” de espaço físico. Closes fechados também são usados quando se mostram longas filas. A câmera percorre todas aquelas pessoas com um close de meio corpo, não possibilitando assim que tenhamos uma visão total da fila, passando uma idéia de que ela é muito longa.
A trilha sonora acompanha o desenvolvimento do filme, auxiliando a manutenção do clima. É, em geral, lenta, como a progressão do filme. Essa característica lenta de progressão é característica da época, onde os filmes tinham um ritmo menos acelerado, diferente dos filmes atuais, comerciais, compostos com rápidas composições, de acordo com padrões da indústria cultural.
Na cena onde Antonio tem a idéia de roubar a bicicleta, a música acelera, compondo a adrenalina e suspense da cena.
Já na cantina, a música, que no filme é ao vivo, é mais animada, representando a tradicional música tocada em cantinas italianas. Ritmo esse que no filme é acompanhado pelo ritmo do garçom que vem trazer os pratos.
Outra característica importante sobre a história, é sua unilateralidade. O filme apresenta apenas uma única história. O foco principal do filme é em sua história única, ou seja, não existem histórias e acontecimentos ocorrendo em paralelo ao enredo principal.
Sobre cenas de suspense, é válido notar ao início do filme, enquanto Antonio cola os cartazes na parede, as pessoas em volta de sua bicicleta. Em alguns momentos temos a impressão de que outras pessoas a roubariam. Assim como quando ele vai com sua mulher à vidente, e manda o garoto vigiar sua bicicleta. Parece que é nesse momento que Antonio terá sua bicicleta furtada. Porém, isso acaba sendo uma “brincadeira” do diretor, pois analisada especificamente, essa cena da vidente não possui um peso e contexto importante na história, serviria mais como desfecho para o roubo da bicicleta, o que não ocorreu.
Realizando uma visão analítica em âmbito geral, Ladrões de Bicicleta é um filme que, com elementos tradicionais de sua época, consegue através de peculiaridades inovar em determinados aspectos, inclusive trabalhando o psicológico do espectador.

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