Eis que, da antítese, faz-se a metonímia

Apresento aqui pontos-chave e análise da obra A Revolução Burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes.
É interessante iniciarmos nossa análise com o fato de que o autor considera que houve uma ruptura no Brasil e, 1822, com seu processo de independência, pois, a partir disto, o Brasil poderia trilhar com seu projeto próprio. Porém, a isto se dá divergências e questionamentos, ao criar-se um comparativo com o ponto de vista de outros autores e estudiosos (por exemplo, Décio Saes já classifica a ruptura como sendo em 1888/89, com o fim da escravidão, início da República). Esta ruptura de 22 não foi de mudanças drásticas na sociedade, mas sim política. A Independência do Brasil foi política, nesta etapa do nosso processo gerativo.

Após esclarecer estas análises e fatos, é importante também entrar na questão do que seria a burguesia. E, novamente, encontramos aqui questionamentos e divergências. Caio Prado Jr. Diria que os burgueses, no Brasil, são os senhores de engenho. Já não é esta a visão de Florestan Fernandes. Para Florestan, uma vez que não existem burgos no Brasil, não existiriam burgueses. Quem nega a burguesia no Brasil nega a explicação européia. Afinal, não dá para se transferir o modelo, a explicação de sociedade européia para a sociedade brasileira (são realidades diferentes, com formações diferentes). A respeito disso, podemos lembrar das palavras iniciais de Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro”, que diz que as explicações dos pensadores europeus não são suficientes para explicar o Brasil, seria necessária a criação de uma metodologia própria.
Florestan, então, nega a existência de burguês a partir da formação do senhor de engenho. Ele nega, também, a negação do burguês, ou seja, uma dupla negativa que nega a não existência do burguês. Para Florestan, o burguês é o outro. E quem seria este outro? Poderíamos dizer, por exemplo, que o burguês seria o agente artesanal inserido na rede de mercantilização. O burguês, no Brasil é o artesão e o negociante; ele nasce das relações artesanais e comerciais. A Independência projeta a burguesia no Brasil.
Os negociantes seriam os sujeitos que servem de entreposto das relações comerciais de importação e exportação; conseguindo um lucro maior até mesmo do que dos senhores de engenho. Também podemos entender este negociante como sendo o responsável por negociar mão-de-obra escrava; que capitaliza comprando e vendendo escravos.
Pois bem, mas lembre-se que estamos classificando este negociante como sendo um burguês. Encontramos aqui algo peculiar, estranho... Se temos alguém considerado burguês por negociar a compra e venda de mão-de-obra escrava, isto é uma contradição da própria concepção burguesa, que requer uma mão-de-obra assalariada.
Por análise histórica e reflexão, poderia criar aqui uma analogia que deixaria este processo mais claro. Compararemos os negociantes burgueses do processo burguês brasileiro aos industriais do processo burguês clássico. Agora, continuando a minha analogia, comparo a função de aquisição de produtos exercida pelos proletariados assalariados, aos senhores de engenho brasileiros. E, por fim, comparo a concepção da época do escravo, aos produtos industrializados comercializados. No processo clássico, temos o industrial que vende seus produtos e o mercado interno consumidor formado pelos proletariados que, com seus salários adquirem as mercadorias. No análogo processo brasileiro, temos o negociante de escravos que vende seus produtos (escravos) para o mercado interno constituído pelos senhores de engenho que os compram com os lucros de suas produções. Talvez esta analogia ajude a amenizar este grande contraste existente entre a burguesia brasileira e a própria concepção burguesa.
O processo de transformação brasileiro, a partir de 1822 ocorre por lutas políticas legais, dentro de certa legalidade, lutas constitucionais legais.
Em 1922 já existia um projeto de Brasil que, na visão de José Bonifácio de Andrade e Silva, é liberal. O Projeto Liberal do Brasil durou dois anos e a constituição brasileira, após isso, passou a dar poder ao Imperador, a partir do quarto poder, o Moderador.
Geograficamente, as grandes dimensões do território brasileiro colaboram muito na dificuldade de se ocorrer uma revolução burguesa.
A burguesia possui certa unidade de interesses e muitas contradições, entre as quais o projeto de desenvolvimento nacional. Como dito, contradições entre burgueses e a concepção burguesa (mão-de-obra escrava X assalariada).
As lutas políticas travadas foram dentro de ordem legal, ou seja, as lutas entre liberais e conservadores não chegaram às armas. Todos os debates foram travados dentro desta ordem legal. Por exemplo, apesar das resistências dos quilombolas às condições de escravos, não houve luta armada em defesa da não escravidão. A escravidão não terminou pela luta armada, mas por disputas de ordem legal, por processos legislativos.
As transformações econômicas no Brasil foram contínuas e lentas, perdurando durante todo o século XIX. A revolução burguesa nasce da transformação política a partir da Independência.
Houve um grande esforço do Brasil de acumular certa riqueza, mas esta foi drenada, escoada para uma metrópole (inicialmente, Portugal, e depois para outras potências econômicas, como a Inglaterra).
Podemos classificar e citar quatro processos de industrialização do Brasil:
- Processo de Independência;
- Os fazendeiros substituem os senhores de engenho (surge a fazenda), os migrantes (mão-de-obra assalariada);
- Processo econômico, nova relação econômica do Brasil com o mundo e do mundo com o Brasil;
- Processo sócio-econômico; expansão da ordem social competitiva. A expansão da mão de obra assalariada que resulta na produção de novos produtos (os primeiros produtos industrializados de baixo valor agregado).
Em 1930 houve um grande processo de industrialização, criando-se a siderurgia nacional, energia, infra-estrutura de transporte e comunicação.
Analisando mais uma contradição a respeito deste processo gerativo brasileiro, com a Independência, o processo de ruptura é uma ação revolucionária conservadora. Isto, em primeira análise é um grande antagonismo. Afinal, ou uma ação é revolucionária, ou conservadora, uma é oposta à outra. Aqui, a ação é revolucionária por se romper com a metrópole, mas conservadora por se manter a estrutura econômica, como a característica da manutenção da mão-de-obra escrava. Afinal, como já mencionado no texto, a ruptura foi política.
A nova ordem social é constituída, a transição da burguesia agrária para industrial. Os donos do poder de capital, riqueza também têm determinado poder político. Quando se estabelece um estado liberal burguês, temos a burocracia estável. A criação de um conjunto de regras, leis estabelecidas que garantem vantagens para a classe dominante.
Os filhos dos senhores de engenho (que, mais tarde, se tornam fazendeiros) vão estudar na Europa, possuem contato com ideologias, retornam ao Brasil e constituem a nova elite liberal burguesa.
Ao fim, podemos dizer que nosso processo de ruptura não é drástico, como ocorreu com a Revolução Francesa. Ele é próprio de seu tempo, cultura, realidade, é gradual.
O texto de Florestan e sua visão a respeito do processo de revolução burguesa no Brasil são ótimos exercícios de análises do processo gerativo no Brasil, pois nos mostra as contradições e os questionamentos decorrentes dos antagonismos aqui apresentados. Porém, apesar de serem antagonismos, acabam apresentando uma certa lógica para suas existências, mesmo que, muitas vezes, os termos e situações pareçam se oporem, e não complementarem. Eu diria até que a ocorrência disto é algo muito próprio do Brasil, que possui sua formação étnica a partir da mistura, o povo miscigenado e, como diria Darcy Ribeiro, um povo feliz. Estes antagonismos do processo de revolução burguesa no Brasil acabam sendo uma espécie de metonímia representativa de toda a formação desta grande nação, de belezas e contrastes. A antítese aqui apresentada, ao fim é a parte pelo todo que representa nosso peculiar processo de formação.
Bibliografia: FERNANDES, Florestan: “A revolução burguesa no Brasil”. Editora: Globo. 5ª edição, 2006, São Paulo – SP.

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