Para o estudo, análise do texto de Durkheim O que é fato social, é necessário, antes, possuir uma bagagem teórica sobre seu método filosófico, seu pensamento. Portanto, a análise será dividida em duas partes. A princípio, uma análise geral, teórica sobre as teorias e estilos de análise durkheimniana, seguido pela análise do texto em si, criando as relações e comparativos com a parte técnica / teórica inicial.
É de extrema importância a leitura e análise do texto de Durkheim, O que é fato social, para entendermos a forma de pensar, a estruturação ideológica desse grande pensador sociológico que desenvolveu, como principal contribuição o chamado Método Sociológico. Seu pensamento possui base no positivismo e naturalismo.
Antes de entendermos o texto em si, devemos nos atentar a algumas características de Durkheim, e ao contexto histórico ao qual ele e suas idéias estão inseridos. Este é um contexto histórico marcado pela expansão do processo industrial, disputa política no mundo, mudança do mapa no mundo pela reorganização das grandes potências (geopolítica), conflitos determinantes para culminar na Primeira Guerra Mundial, o Marxismo fundado, socialismo adotado como alternativa ideológica, fundação das ciências sociais.
Fica marcante a autenticidade ideológica de Durkheim, e seu referencial teórico ao analisar passagens onde ele diz que a educação funciona para a manutenção do sistema, e ignora as manifestações individuais. Para Durkheim as manifestações individuais não interessam para a sociologia. Ele, por exemplo, não fará uma analise sobre porque o sujeito se suicida, mas porque os índices de suicídio mudam de acordo com fatos históricos. Durkheim procura neutralizar a ciência, ou seja, para analisar um fato, realidade social, sem distorções, é preciso se eximir das pré noções, valores e sentimentos pessoais em relação ao objeto de estudo. Ou seja, diminuir a ideologia na análise científica. Nossa opinião, nossas ideologias e simpatias dificultam o conhecimento pleno. A neutralidade e o não envolvimento afetivo é fundamental para se conseguir as explicações científicas que almeja a pesquisa sociológica. Deve-se fazer uma análise com base em um fundamento histórico.
A sociologia não apenas relata fatos, explica a sociedade, mas também busca soluções para a vida social.
Com a mencionada influência do naturalismo, Durkheim define a sociedade como um organismo que apresenta estados que podem ser considerados “normais” (saudáveis) ou “patológicos” (doentios). Há uma normalidade na sociedade, a rotina. Quando há um acontecimento, fato específico que altere essa normalidade, é um fenômeno patológico (doença). Por exemplo, uma revolução, uma mudança na estrutura social. A patologia é o que altere significativamente a vida cotidiana das pessoas. O importante para Durkheim não é o sistema justo ou injusto, mas porque a sociedade funciona e se transforma.
A análise durkheimniana possui influência de conceitos etimológicos. A sociologia torna-se, em Durkheim, instrumento de comparação e classificação das diversas sociedades.
Ele faz um comparativo entre o que ele define como Sociedade Orgânica e Sociedade Mecânica. Elas estão presentes no mundo do trabalho. Porém, este debate do mundo do trabalho é diferente do que Marx faz. Durkheim faz análise a partir das relações sociais, enquanto Marx faz através das relações de produção.
A sociedade mecânica predominava em uma sociedade pré capitalista, de trabalho artesão. O indivíduo se identificava com a família, religião e costumes.
As relações sociais (família, religião, costumes) unem os trabalhadores em torno do processo produtivo, independentemente da divisão do trabalho social.
A Sociedade Orgânica surge com o capitalismo, incorporado na divisão social do trabalho, onde os indivíduos tornam-se interdependentes. Os preceitos familiares anteriores são substituídos por regras gerais da sociedade. Essa relação garante a unidade social, o surgimento de novas regras de convivência.
A consciência coletiva dá espaço para a atividade (trabalho). Com o advento das máquinas, o núcleo que se concentrava a sociedade mecânica é quebrado, se expande. Seus familiares não vão com você para seu trabalho, o núcleo profissional, isso foi dividido e a unidade familiar se quebra. Você convive com pessoas diferentes, de diferentes culturas, pensamentos, famílias, locais, religiões. Com isso deve-se criar novas regras gerais de convivência.
Essa nova sociedade chama-se orgânica por funcionar como um organismo, ou seja, expande-se.
O desenvolvimento do método sociológico de Durkheim pressupõe em primeira fase um ponto de partida, a definição do fenômeno.
Por exemplo, a violência urbana existe em todos os lugares do Brasil. Então assassinaram uma pessoa em um bairro, que criou comoção social, protestos, virou um fenômeno patológico. Ele não analisa a vida da pessoa assassinada, mas porque a sociedade se revolta, cria algo para chamar a atenção. Isso é um fato, um fenômeno.
A segunda fase consiste na refutação das interpretações anteriores. Ou seja, no caso citado, consultar a polícia, os moradores. Obter as versões de todos os lados. Não pode ir com uma ou outra versão, mas com todas. Faz uma pesquisa de campo colhendo as interpretações. Refutar é negar, não no sentido de não considerar nenhuma versão, mas de não poder partir do pressuposto de um ou outro. Caso esse erro ocorra, a análise científica está viciada.
A terceira fase consiste na explicação propriamente sociológica do fenômeno estudado.
As Escolas de Sociologia e de estudos humanos se desenvolveram a partir da metodologia sociológica de Durkheim. A mais conhecida é a escola funcionalista.
De seus métodos, surge o debate, se é possível as ciências, em especial as sociais, serem neutras, e a própria possibilidade da existência das ciências sociais, em contra ponto aos que dizem que tudo está no campo da filosofia, baseado em elementos históricos.
O texto O que é fato social é central para identificar o que Durkheim pensa sobre o que é fato social, tendo em mente o pré conhecimento de seu referencial e modelo, método teórico.
Ele diz que tudo o que fazemos na nossa vida é um fato social. Porém, o que interessa para a sociologia é apenas uma parte do fato social, justamente o que quebra a rotina, a normalidade da sociedade. Andar, trabalhar, dormir, beber, raciocinar, tudo é um fato social. Porém, se tudo é fato social, sobre o que permanece na normalidade, não há necessidade de fazer estudo sociológico para esta normalidade. Em síntese, os fatos que interessam, que são relevantes para a sociologia são aqueles que geram a anormalidade, alteram a continuidade da sociedade.
As funções que ocorrem na sociedade independem de consciência individual, elas já existem, nos é dado por condições específicas. Como exemplos destas características podemos citar o sistema financeiro e monetário brasileiro, o dialeto, a língua.
Os tipos de conduta e pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo. Ou seja, todo fato social, para Durkheim é decorrente de uma ação imposta, a pessoa faz o que a sociedade lhe determina, sem autonomia de decidir, dentro de regras estabelecidas, no campo legal ou moral. Se faço algo irregular na sociedade, serei proibido, detido. Se o que faço é reparável, os elementos da sociedade fazem voltar a normalidade o mais rápido possível. Se não for possível reparar a normalidade, estou sujeito a penalidades.
Essa característica significa que a sociedade trabalha dentro de padrões, onde estabelece-se um teto com o limiar das possibilidades, os limites da liberdade que você possui dentro de um determinado espaço pré estabelecido. Você será reprimido tanto do ponto de vista legal quanto moral, se alterar a condição objetiva da sociedade. Por exemplo, se você for bem vestido, arrumado na escola, ninguém lhe chamará a atenção.
A repressão, coerção moral se dá em circunstâncias em que se quebram condutas tradicionais, normais da sociedade. Por exemplo, a monogamia é algo próprio da cultura ocidental (e alguns países orientais), quebrar essa conduta é algo sujeito a dita coerção.
Toda sociedade está vinculada à coerção, à imposição. Às vezes nem percebemos as ações coercivas, mas elas existem. Por exemplo, ao se educar uma criança, você usa ações coercivas, reprimindo a espontaneidade da criança, das pessoas, para não viver em uma sociedade desorganizada. As condições impostas nos obrigam a inovar os processos produtivos.
Para criar a normalidade social, Durkheim concorda com ações coercivas para determinados fatos sociais. Todos agimos em função da coerção.
Se com o tempo deixamos de sentir a coerção, é porque ela tornou-se um hábito, mas ela ainda existe.
A sociedade necessita ter uma normalidade, estabilidade, para não ser patológica.
Com base em seus princípios teóricos, essa é a observação e análise desse grande sociólogo, a respeito dos fatos sociais.
Bibliografia:
Durkheim, Émile – “O que é fato social”, in: As regras do Método Sociológico, Martins Fontes, São Paulo / SP, 1895
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