“Deseufemizando” a intenção hegemônica - Xeque-mate no príncipe

O Príncipe Eletrônico, texto de Otavio Ianni relata a transformação da comunicação no mundo global. Situa a atual tarefa que os meios de comunicação imprimem sobre a globalização, através do surgimento de novas técnicas e novas tecnologias de comunicação. Estamos em uma era onde a comunicação está introjetada até no sistema produtivo.

Esta análise é feita mediante a análise de três características da Globalização:
* Transforma o mundo da produção, processo evolutivo dos meios produtivos. O processo possui as características quantitativas, é otimizado e descentralizado, terceirizados, barateados e realizados em outros ambientes. É a equação de elevar-se a eficiência e a qualidade, diminuindo o tempo de produção.
* Gera mudanças sócio-político-econômicas. Com a influência da cibernética, eletrônica, você tem novos elementos fundantes do sistema capitalista. Hoje, sem a informática, praticamente os sistemas produtivos param.
* A globalização busca em um contexto ideológico a tese da aproximação entre os povos, a idéia do mundo sem fronteiras. Porém, para o capitalismo neoliberal, a Globalização não será a aproximação de povos, mas de mercados.
A análise de Octavio é embasada em conceitos anteriores, do príncipe de Maquiavel e Gramsci, superando-os. Em lugar do príncipe de Maquiavel, Gramsci, cria-se então o príncipe eletrônico, simultaneamente recriado, transforma ou absorve os outros.
O príncipe de Maquiavel é o sujeito. O condutor, comandante, na unificação de uma nação, de um povo. Conduz uma sociedade hegemonicamente por dois elementos fundantes:
  • Virtu – qualidade, capacidade que o sujeito tem de criar o pensamento hegemônico; a capacidade argumentativa, ter autoridade, ser o símbolo da conquista hegemônica. Faz isto pela bondade e pela temeridade (forma impositiva).
  • Fortuna – sorte, condições para que o desenvolvimento de sua nação seja dado em condições mais favoráveis.
O Moderno Príncipe de Gramsci: Ao fim do século XIX, início do século XX, ocorre uma transformação na política, e surge um novo sujeito, o Partido Político. Este partido político é o príncipe de Maquiavel coletivamente; não é um sujeito central, rei, monarca. Ele é dividido para o coletivo de construção política.
Ao fim do século XX, ocorre outro processo de transformação na produção, comunicação, cultura, tecnologia, científica. O mundo da política se altera e ganha espaço como protagonista deste processo político os meios de comunicação.
Surge uma nova definição que ultrapassa a idéia de príncipe como condotiere, de Maquiavel, e a idéia de príncipe como partido político, de Gramsci; ocupando, esta definição, os meios de comunicação.
Este é o Príncipe Eletrônico. Ele assa a ser um instrumento de construção hegemônica da sociedade, o sujeito que constrói a idéia hegemônica social é a comunicação.
Existem dualidades e contradições na análise da essência deste novo príncipe.
Ele é nebuloso e ativo, presente e invisível. Por exemplo, ao dizer que é presente, nos referimos ao fato de os meios de comunicação estarem a nossa volta. Porém, este poder se torna tão influente que, muitas vezes, não nos deparamos com esta influência e, por isso, o julgamos também como sendo invisível.
Ele não é homogêneo e monolítico, ou seja, tem que representar não uma idéia coorporativa, mas tem que entender a sociedade e utilizar como seus argumentos todas as condições existentes nesta sociedade. Ele deve ser heterogêneo e plural, tem que ter ideologia e determinar o processo da sociedade através dessa ideologia, para ele ter a dominação hegemônica. Neste caso, em nosso contexto, a ideologia predominante é um capitalismo, neoliberalismo, pensamento coorporativo.
Octavio também trata do conceito da mudança de valor, como, por exemplo, na dialética de consumo e cidadania. Consumo nunca será cidadania, mas torna-se cidadania a partir do momento em que, se você não consome, está à margem da sociedade.
Para fundamentar esta idéia, vamos exemplificar com as praças. Na antiguidade clássica, a agora era o espaço público onde se debatiam idéias para, inclusive, gerar o conceito de democracia. As praças são os espaços mais democráticos. Porém, o poder público deixou a praça se degradar. Sem aparelhos confortáveis, chamativos para seu uso, sem os cuidados de manutenção necessários despendidos. O espaço de conveniência foi transferido da praça pública, para a privada, os shoppings. Esta tomada do espaço público pelo privado significa transformar a cidadania em consumo. E isto expande-se a partir do momento em que você encontra faculdades, teatros construídos nestes locais de consumo. Existe, então, uma falsa ideologia, que é a de mercado, de consumo, que diz que apenas os mercados conseguem regular as sociedades.
O conceito de democracia, no contexto de globalização também se altera, onde se cria a democracia da livre circulação de mercadorias, não de pessoas, não a liberdade das pessoas transitarem entre as nações. Afinal, temos a sociedade intra-muros como, por exemplo, o muro que separa Estados Unidos de México, Israel de Palestina; muro virtual que separa a fronteira da Itália, Albânia e Iugoslávia. A democracia eletrônica possui dois princípios que contradizem a própria abstração de democracia. A Internet livre propicia nova tecnologia, é livre. Contudo, provedores de internet são poucos, de empresas que visam o lucro. O monopólio de meios de comunicação fechados; TV, rádio; existência de poucas empresas de comunicação mundial. Como dito anteriormente, a agora era a praça pública grega, o espaço democrático ateniense. Instaurou-se o princípio da agora eletrônica; os meios de comunicação que são democráticos para os donos de poder, de sistemas coorporativos.
O texto ainda trata sobre o conceito de multidão solitária. Cada vez menos interagimos coletivamente, social, solidariamente; é em proporção crescente nossa rendição ao individualismo. O “eu” prevalece sobre o “nós”, quanto sociedade. Temos, então, a virtualização da comunicação, os amigos virtuais. Esta multidão solitária é decorrente da fragmentação da sociedade contemporânea.
Existem três tipos de Globalização: A que querem nos fazer crer, imaginária, a ideologia do mundo sem fronteiras. A que de fato é, ou seja, a liberdade de mercados, e não de pessoas. E a Globalização que deveria ser, com mudanças de atitude; um mundo sem fronteiras com base na solidariedade.
Otavianni considera a imprensa como sendo o quarto poder. Porém, a imprensa tem o poder de fato, mas não tem o poder legal. Aqui se obtém uma contradição que gera debates sobre a aceitação da imprensa enquadrada no elemento de ser o quarto poder.
Os instrumentos comunicacionais são neutros, mas a técnica e as formas como as comunicações são feitas não podem ser neutras. Nos rendemos a condições subjetivas do mercado para trabalhar. Elementos éticos, sociais de consciência para verificar se estamos fazendo o que queremos, acreditamos, e não apenas o que deve ser feito.
A imprensa exerce o poder através do neoliberalismo (privatização, abertura do mercado interno, etc), que é a radicalização do capitalismo. Quando os meios de comunicação assumem esta ideologia, tornam-se intelectuais orgânicos.
Gramsci diz que todos nós na sociedade somos intelectuais; o gari, o garçom, estudante, professor, empresário, jogador de futebol; pois todos somos dotados de juízo de valor, temos a capacidade de realizar algo. Mas alguns exercem as funções objetivas de intelectual, os formados para apresentar argumentos, teses, esforços de explicação. Estes não são, necessariamente os acadêmicos, a elite.
Intelectual orgânico é o sujeito que pensa, elabora, possui capacidade de passar uma mensagem, debater. Por exemplo, os padres são os intelectuais orgânicos da igreja. Os intelectuais orgânicos estão ligados organicamente a uma classe social, instituição, grupo social, partido político. Os meios de comunicação são intelectuais orgânicos, primeiramente, de si próprios. Possuem seus interesses específicos na sociedade, interesses econômicos, e também são articulados, vinculados a determinados grupos da sociedade, classes sociais, que é a classe dominante (setores da sociedade, economia que defendem princípios orgânicos, por exemplo, a propriedade privada). Podemos analisar isto rotineiramente, ao citar o MST. Ele é contra a propriedade privada e, por isso, os meios de comunicação os tratam como inimigos.

A essência textual de Ianni é muito relevante no atual conceito. Afinal, ele nos mostra a abstração dos elementos subjetivos de controle que estão instaurados na sociedade, através de processos comunicativos.
Aborda de uma forma ampla e geral diversos elementos e questões, tanto técnicas e ideológicas, como éticas que estão presentes e se modificam em um contexto atual da globalização.
As idéias ao longo do texto tornam-se claras pela característica de linearidade da expressão e estilo literário do autor, que segue um fluxo lógico do raciocínio, colocando e explicando os preceitos necessários para a compreensão de sua análise. Desta forma, você, primeiramente, entende o referencial teórico que será abordado e, seqüencialmente, você tem o contato com a opinião e os pontos de vista de Otaviane sobre o assunto decorrente.
É muito criativa e original essa abordagem em relação aos príncipes, analisando as duas colocações anteriores, a de Maquiavel, de príncipe como condotiere, e a de Gramsci, do príncipe como partido político. Ele cria este paralelo e, em seguida mostra como estas idéias, estes conceitos foram superados ou absorvidos pelo atual príncipe, que denomina como “eletrônico”. O termo “eletrônico” é aqui muito bem empregado. Afinal, ele considera como este príncipe sendo a comunicação, com base nos elementos que geram a globalização, do desenvolvimento de técnicas e tecnologias midiáticas. A presença aqui do termo “eletrônico” ultrapassa o próprio uso como elemento descritivo da análise de sua tese, mas torna-se também um elemento metafórico que enriquece a produção textual.
Como mencionado anteriormente, além da criatividade na exposição do ponto de vista e da temática, os paralelos criativos de análise, e o grande embasamento e explanação teórica, o que positivo no texto é a “completividade” da obra, ao abordar não apenas um elemento central, mas “pereferizá-lo”, mostrando conceitos, exemplos e explicações acerca deste. Como, por exemplo, a dialética de consumo e cidadania, outro ponto muito interessante abordado.
A leitura deste texto é fundamental para vivermos na sociedade que possui estas conhecidas e citadas características, pois ele nos ajuda a identificar todos estes elementos de manutenção da idéia hegemônica em prol da classe dominante. Ele é como uma lupa que amplia o que, de forma proposital, ou “metonimizado”, eufemisado. E também nos é um escudo contra todas estas influências que nos bombardeiam de forma contínua e direta.
Bibliografia:
IANNI, Octavio – “O príncipe eletrônico”,

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