O Iluminismo como mistificação de massas

Por nossa jornada através das teorias de comunicação, deparamo-nos com uma muito peculiar. Conheceremos agora a Indústria Cultural. 

A tese sociológica de que a perda de apoio na religião objetiva, a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização, deram lugar a um caos cultural é cotidianamente desmentido pelos fatos. 

A racionalidade técnica hoje é a racionalidade do próprio domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena. 

Por hora a técnica da indústria cultural só chegou a estandardização e à produção em série, sacrificando aquilo pelo qual a lógica da obra se distinguia da lógica do sistema social. Mas isso não vai imputado a uma lei de desenvolvimento da técnica enquanto tal, mas à sua função na atual sociedade econômica. A necessidade, que talvez pudesse fugir ao controle central, já está reprimida pela necessidade da consciência individual. 

Se a tendência social objetiva da época se encarna nas intenções subjetivas dos supremos dirigentes, são estes os que originalmente integram os setores mais potentes da indústria. Os monopólios culturais são, em confronto com eles, débeis e dependentes. 

O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa. Cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente, segundo seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se á categoria de produtos de massa que foi preparada para seu tipo. Reduzido a material estatístico, os consumidores são divididos, no mapa geográfico dos escritórios técnicos (que não se diferenciam praticamente mais dos de propaganda), em grupos de renda, em campos vermelhos, verdes e azuis. 

A esquematização do procedimento aparece em os produtos mecanicamente diferenciados revelarem-se, afinal de contas, como sempre iguais. 

As qualidades e as desvantagens discutidas pelos conhecedores servem tão só para manifestar uma aparência de concorrência e possibilidade de escolha. 

A medida unitária do valor consiste na dose de conspicuous production, de investimento ostensivo. A diferença de valor orçado pela indústria cultural não tem nada a ver com a diferença objetiva, com o significado dos produtos. 

O trabalhador, durante seu tempo livre, deve-se orientar pela unidade da produção. A tarefa que o esquematismo kantiano ainda assinalava aos sujeitos, a de, antecipadamente, referir a multiplicidade sensível aos conceitos fundamentais, é levada ao sujeito da indústria. Esta realiza o esquematismo como o primeiro serviço do cliente. Na alma agia, segundo Kant, um mecanismo secreto que já preparava os dados imediatos de modo que se adaptassem ao sistema da pura razão. Hoje, o enigma é revelado. Mesmo se a planificação do mecanismo por parte daqueles que manipulam os dados da indústria cultural seja imposta em virtude da própria força de uma sociedade, que, não obstante toda racionalização, se mantém irracional, essa tendência fatal, passando pelas agências da indústria, transforma-se na intencionalidade astuta desta última. Para o consumidor, não há mais nada a classificar que o esquematismo da produção já não tenha antecipadamente classificado. 

A indústria cultural se desenvolveu com a primazia dos efeitos, do exploit tangível, do particular técnico sobre a obra, que outrora trazia a idéia e que foi liquidada. O particular, emancipar-se, tornara-se rebelde, e se erigira, desde o Romantismo até o Expressionismo, como expressão autônoma, da revolta contra a organização. O simples efeito harmônico tinha cancelado na música a consciência da totalidade formal; a cor particular na pintura, a composição do quadro; a penetração psicológica, a arquitetura do romance. A isso põe fim a indústria cultural. Só reconhecendo os efeitos, ela despedaça a sua insubordinação e os sujeitos à fórmula que tomou o posto da obra. 

O catálogo explícito e implícito, esotérico e exotérico do proibido e do tolerado não se limita a circunscrever um setor livre, mas o domina e controla de cima a baixo. Até os mínimos detalhes são modelados segundo a sua receita. A indústria cultural, mediante suas proibições, fixa positivamente – como a sua antítese, a arte de vanguarda – uma linguagem sua, com uma sintaxe e um léxico próprios. A necessidade permanente dos efeitos novos, que, todavia, permanece ligados ao velho esquema, só faz acrescentar, como regra supletiva, a autoridade do que já foi transmitido, ao qual cada efeito particular desejaria esquivar-se. Tudo o que é submetido a um estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e, á primeira vista, não se demonstre aprovado e reconhecido. Mas os matadores – produtores ou reprodutores – são os que usam esse jargão com tanta facilidade, liberdade e alegria, como se fosse a língua que, há tempo, foi reduzida ao silêncio. É o ideal da naturalidade no ramo e que se afirma tanto mais imperiosamente quanto mais a técnica aperfeiçoada reduz a tensão entre a imagem e a vida cotidiana. 

Na indústria cultural, a matéria até seus últimos elementos tem origem no mesmo aparato que produz o jargão no qual se perfaz. O estilo da indústria cultural, que não tem mais de se afirmar sobre a resistência do material, é, ao mesmo tempo, a negação do estilo. A conciliação do universal e do particular, regra e instância específica do objeto, só por cuja atuação o estilo adquire peso e substância, é sem valor porque já não se cumpre qualquer tensão entre os dois pólos extremos que se tocam, são eles traspassados por uma identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa. 

Os grandes artistas nunca foram os que encarnaram o estilo no modo mais puro e perfeito, mas sim aqueles que acolheram na própria obra o estilo como rigor, a caminho da expressão caótica do sofrimento, o estilo como verdade negativa. 

A indústria cultural por fim absolutiza a imitação. Reduzida a puro estilo, trai o seu segredo: a obediência à hierarquia social. Falar de cultura foi sempre contra a cultura. O denominador “cultura” já contém, virtualmente, a tomada de posse, o enquadramento, a classificação que a cultura assume no reino da administração. Só a “administração” industrializada, radical e conseqüente, é plenamente adequada a esse conceito de cultura. Subordinando do mesmo modo todos os ramos da produção espiritual com o único fito de arrolhar os sentidos dos homens – desde a saída da fábrica à noite até sua chegada, na manhã seguinte, diante do relógio de ponto – com os sinetes dos processos de trabalho, que eles próprios devem alimentar durante o dia, ela, sarcasticamente, realiza o conceito de cultura orgânica, que os filósofos da personalidade opunham à massificação. 

Assim a indústria cultural, o estilo mais inflexível de todos, revela-se como a própria meta daquele liberalismo de que se censurava a falta de estilo. Mesmo na indústria cultural, sobrevive a tendência do liberalismo em deixar aberto o caminho para os capazes. 

Abrir caminho para esses virtuosos é a função que permanece ainda hoje, do mercado, o qual, noutras esferas, já se mostra amplamente regulado: trata-se de uma liberdade que, já em seus bons tempos, era tanto na arte (quanto em geral para os tolos), apenas de morrer de fome. Não é por acaso que os sistema da indústria cultural surgiu nos países industriais mais liberais, assim como ter sido aí que triunfaram todos os seus meios característicos: o cinema, o rádio, o jazz e as revistas. É verdade que o seu desenvolvimento progressivo fluía necessariamente das leis gerais do capital. 

As idéias estão inscritas no céu da cultura, em que numeradas, ou, melhor dizendo, em número fixo e imutável, Platão já as trancafiara. 

O amusement, ou seja, todos os elementos da indústria cultural, já existia muito antes do que esta. Agora são retomados pelo alto e postos ao nível dos tempos. A indústria cultural pode-se vangloriar de haver atuado com energia e de ter erigido em princípio a transposição – tantas vezes grosseira – da arte para a esfera do consumo, de haver liberado o amusement da sua ingenuidade mais desagradável e de haver melhorado a confecção das mercadorias. Quanto mais total ela se tornou, quanto mais desapiedadamente obriga cada marginal à falência ou a entrar na corporação, tanto mais se faz astuciosa e respeitável. 

Ao se aperfeiçoar e ao extinguir o diletanismo, a indústria cultural liquidou com os produtos mais grosseiros, embora continuamente cometa gafes oriundas da sua própria respeitabilidade. Mas a novidade consiste em que os elementos inconciliáveis da cultura, arte e divertimento, sejam reduzidos a um falso denominador comum, a totalidade da indústria cultural. Esta consiste na repetição. Que as suas inovações típicas consistam sempre em tão só em melhorar os processos de reprodução de massa não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio abandonados. O poder social adorado pelos espectadores exprime-se de modo mais válido na onipresença do estereótipo realizado e imposto pela técnica do que pelas ideologias velhas e antiquadas, às quais os efêmeros conteúdos devem-se ajustar. 

Não obstante, a indústria cultural permanece a indústria do divertimento. O seu poder sobre os consumidores é mediatizado pelo amusement que, afinal, é eliminado não por um mero diktat, mas sim pela hostilidade, inerente ao próprio princípio do divertimento diante de tudo que poderia ser mais do que divertimento. Uma que a encarnação de todas as tendências da indústria cultural na carne e no sangue do público se faz mediante o processo social inteiro, a sobrevivência do mercado, neste setor, opera no sentido de intensificar aquelas tendências. A interrogação ainda não é substituída pela pura obediência. 

A verdade é que a força da indústria cultural reside em sue acordo com as necessidades criadas e não no simples contraste quanto a estas, seja mesmo o contraste formado pela onipotência em face da impotência. 

O amusement é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ele é procurado pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam e novo em condições de afronta-lo. Mas, ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinado integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento, que ele apenas pode captar as cópias e as reproduções do próprio processo de trabalho. O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve qualquer reação: não pelo seu contexto objetivo - que desaparece tão logo se dirige á faculdade pensante – mas por meio de sinais. Toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada. 

É pelo menos duvidoso que a indústria cultural preencha mesmo a tarefa de diversão de que abertamente se vangloria. 

A indústria cultural continuamente priva seus consumidores do que continuamente lhes promete. O assalto ao prazer que ação e apresentação emitem é indefinidamente prorrogada: a promessa a que na realidade o espetáculo se reduz, malignamente significa que não se chega ao quid, que o hóspede há de se contentar com a leitura do menu. Ao desejo suscitado por todos os nomes e imagens esplêndidos serve-se, em suma, apenas o elogio da opaca rotina da qual se queira escapar. Mesmo as obra de arte não consistiam em exibições sexuais. Mas representando a privação como algo negativo, evocavam, por assim dizer, a humilhação do instinto e salvavam – mediatamente – aquilo que havia sido negado. Este o segredo da sublimação estética: representar a satisfação na sua própria negação. A indústria cultural não sublima, mas reprime e sufoca. As obras de arte são ascéticas e sem pudor; a indústria cultural é pornográfica e pudica. A reprodução mecânica do belo, que a exaltação reacionária da “cultura”, com a sua idolatria sistemática da individualidade favorece tanto masi fatalmente, não deixa nenhum lugar para a idolatria inconsciente a que o belo estava ligado. O triunfo sobre o belo é realizado pelo humor, pelo prazer que se sente diante das privações bem-sucedidas. Ri-se do fato que nada tem de risível. O fun é um banho retemperante. A indústria dos divertimentos continuamente o receita. Nela, o riso toma-se instrumento de uma fraude sobre a felicidade. Os momentos de felicidade não o conhecem; só as operetas e, depois, os filmes apresentam o sexo entre gargalhadas. 

Mas em Bauelaire inexiste o humor, assim como em Hölderlin. Na falsa sociedade, o riso golpeou a felicidade como uma lebre e a arrasta na sua totalidade insignificante. Rir de alguma coisa é sempre escarnecer; a vida que, segundo Bérgson, rompe a crosta endurecida, passa a ser, na realidade, a irrupção da barbárie, a firmação de si que, na associação social, celebra a sua liberação de qualquer escrúpulo. A coletividade dos que riem e a paródia da humanidade. Em cada espetáculo da indústria cultural, a frustração permanente que a civilização impõe é, inequivocamente, outra vez imposta. Oferecer-lhes uma coisa e, ao mesmo tempo, priva-los dela é processo idêntico e simultâneo. Em contraste com a era liberal, a cultura industrializada, assim como a fascista, pode parecer que desenha os conflitos do capitalismo: mas não pode parecer que renuncia à ameaça de castração. Hoje, decisivo não é mais o puritanismo, embora ele continue a se fazer valer por intermédio das associações femininas, mas a necessidade intrínseca ao sistema de não largar o consumidor, de não lhe dar a sensação de que é possível opor resistência. O princípio básico consiste em lhe apresentar tanto as necessidades, como tais, que podem ser satisfeitas pela indústria cultural, quanto em, por outro lado, antecipadamente, organizar essas necessidades de modo que o consumidor a elas se prenda, sempre e tão só como eterno consumidor, como objeto da indústria cultural. 

A mistificação não está portanto no fato de a indústria cultural manipular as distrações, mas sim em que ela estraga o prazer, permanecendo voluntariamente ligada aos clichês ideológicos da cultura em vias de liquidação. Ética e bom gosto vetam como “ingênuo” o amusement descontrolado – a ingenuidade não é menos mal vista que o intelectualismo – e limita, por fim, as capacidades técnicas. A indústria cultural é corrompida não como Babel pelo pecado, mas sim como templo de prazer elevado. 

Quanto mais sólidas se tornam as posições da indústria cultural, tanto mais brutalmente esta pode agir sobre as necessidades dos consumidores, produzi-las, guia-las e disciplina-as, retirar-lhes até o divertimento. Aqui não se coloca limite algum ao progresso cultural. Mas essa tendência é imanente ao próprio princípio – burguês e iluminista – do amusement. O amusement é possível apenas enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social, enquanto se renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de toda obra, mesmo da mais insignificante: a de, em sua limitação, refletir o todo. Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. Na sua base do divertimento planta-se a impotência. É, de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim o último grão de resistência que a realidade ainda pode haver deixado. A libertação prometida pelo amusement é a do pensamento como negação. A impudência da pergunta retórica: “Que é que a gente quer?” consiste em se dirigir às pessoas fingindo trata-las como sujeitos pensantes, quando seu fito, na verdade, é o de desabitua-las ao contato com a subjetividade.
Ao mesmo tempo que a indústria cultural convida a uma identificação ingênua, logo e prontamente ela é desmentida. A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico. Cada um é apenas aquilo que qualquer ouro pode substituir: coisa fungível, um exemplar. 

A indústria não se interessa pelos homens apenas como pelos próprios clientes e empregados, e reduziu, efetivamente, a humanidade no seu conjunto, como cada um dos seus elementos, a esta forma exaustiva. Como empregados são chamados à organização racional e pressionados a inserir-se com sadio bom senso. Como clientes se vêem a si mesmos como ilustração, na tela ou nos jornais, em episódios humanos e privados da liberdade de escolha e como atração do que ainda não está enquadrada. Em qualquer dos casos permanecem objetos. 

Quanto menos a indústria cultural tem a prometer, quanto menos está em grau de mostrar que a vida é cheia de sentido, e tanto mais pobre se torna, por força das coisas, a ideologia por ela difundida. 

O discurso que apenas busca a verdade logo suscita a impaciência de que chegue com rapidez ao fim comercial que se supõe perseguir na ação prática. A palavra que não é meio aparece privada de sentido, a outra como ficção e mentira. Escutamos os juízos de valor como propaganda ou tagalerice inútil.Mas a ideologia assim constrangida a manter-se no vago não se torna por isso mais transparente, nem tampouco mais débil. Mesmo sua generalidade, a recusa quase científica de empenhar-se sobre qualquer coisa de inverificável, funciona como instrumento de domínio. Pois ela se torna a decidida e sistemática proclamação do que é. A indústria cultural tem a tendência de se converter em um conjunto de protocolos, e, por essa mesma razão, de se tornar o irrefutável profeta do existente. 

A indústria cultural, por outro lado, tem boas saídas para repelir as objeções feitas contra ela como as contra o mundo que ela duplica sem teses preconcebidas. A única escolha é colaborar ou se marginalizar: os provincianos que, contra o cinema e o rádio, recorrem à eterna beleza ou aos filodramáticos, já estão politicamente no posto para o qual a cultura de massa ainda empurra os seus. Ela é suficientemente acondicionada para parodiar ou para desfrutar como ideologia, o culto do pai ou o sentimento incondicionado. A nova ideologia tem por objetivo o mundo como tal. Ela usa o culto do fato, limitando-se a surpreender a má realidade, mediante a representação mais exata possível, no reino dos fatos. Nesta transposição, a própria realidade se torna um sucedâneo do sentido e do direito. 

Mas a indústria cultural reflete a assistência positiva e negativa pelos administrados como solidariedade imediata dos homens no mundo dos capazes. Ninguém é esquecido, por todos os lados estão os vizinhos, os assistentes sociais do tipo dr. Gillespie e filósofos a domicílio com o coração do lado direito, que, da miséria socialmente reproduzida, fazem, com a sua intervenção afável de homem para homem, casos particulares e curáveis á medida que a depravação pessoal do sujeito não se oponha. O cuidado com as boas relações entre os dependentes, aconselhada pela ciência administrativa, e já praticada por toda a fábrica em vista do aumento da produção, reduz até mesmo o último impulso privado sob controle social, enquanto, em aparência, torna imediatas, ou volta a privatizar as relações entre os homens na produção. 

A insistência sobre a boa vontade é o modo pelo qual a sociedade confessa a dor que produz: todos sabem que, no sistema, não podem mais se ajudar sozinhos, e isso a ideologia há de levar em conta. Em vez de se limitar a cobrir a dor com o véu de uma solidariedade improvisada, a indústria cultural põe toda a sua honra comercial em encará-la virilmente e em admiti-la mantendo com dificuldade a sua compostura. 

A cultura sempre contribuiu para domar os instintos revolucionários bem como os costumes bárbaros. A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. O indivíduo deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado. 

A vida do capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos. Todos podem ser como a sociedade onipotente, todos podem se tornar felizes, conquanto se entreguem sem reservas, e renunciem sua pretensão á felicidade. 

Na indústria cultural o indivíduo é ilusório não só pela estandardização das técnicas de produção. Ele só é tolerado á medida que sua identidade sem reservas com o universal permanece fora de contestação. O individual se reduz à capacidade que tem o universal de assinalar o acidental com uma marca tão indelével a ponto de torna-lo de imediato identificável assim como esta. A particularidade do Eu é um produto patenteado, que depende da situação social e que é apresentado como natural. A pseudo-individualidade é a premissa do controle e da neutralização do trágico: só pelo fato de os indivíduos não serem efetivamente assim, mas simples encruzilhadas das tendências do universal, é possível recaptura-los integralmente na universalidade. A cultura de massa assim desvela o caráter fictício que a forma do indivíduo sempre teve na época burguesa e o seu erro está apenas em vangloriar-se desta turva harmonia do universal com o particular. O princípio da individualidade sempre foi contraditório. 

O indivíduo, sobre o qual a sociedade se regia, portava a sua mancha; ele, em sua liberdade aparente, era o produto do aparato econômico e social. O poder apelava para as relações de força dominantes ao solicitar a resposta dos que lhes eram sujeitos. |Por outro lado, a sociedade burguesa, em seu curso, também desenvolveu o indivíduo. Contra a vontade dos seus controladores, a técnica educou o homem desde criança. Mas todos o processo de individualização nesse sentido se cumpriu em prejuízo de perseguir tão-só e sempre a sua própria meta. 

A arte como domínio separado foi possível, desde o início, apenas como burguesa. Mesmo a sua liberdade, como negação da funcionalidade social que se impõe pelo mercado, permanece essencialmente ligada ao pressuposto da economia mercantil. 

O útil que os homens se prometem, na sociedade de conflito, por meio da obra de arte, é exatamente, em larga medida, a existência do inútil: que, entretanto, é liquidado no ato de ser subjugado por inteiro ao princípio da utilidade. Adequando-se por completo à necessidade, a obra de arte priva por antecipação os homens daquilo que ela deveria procurar: liberta-los do princípio da utilidade. 

Tudo tem valor somente enquanto pode ser trocado, não enquanto é alguma coisa de per se. O valor de uso da arte, o seu ser, é para os consumidores um fetiche, a sua valorização social, que eles tomam pela escala objetiva das obras, torna-se o seu único valor de uso, a única qualidade de que usufruem. Assim o caráter de mercadoria da arte se dissolve mesmo no ato de se realizar integralmente. 

Já hoje as obras de arte como palavras de ordem política são oportunamente adaptadas pela indústria cultural, levadas a preços reduzidos a um público relutante, e o seu uso e torna acessível a todos como o uso dos parques. Mas a dissolução do seu autêntico caráter de mercadoria não significa que elas sejam custodiadas e salvas na vida de uma sociedade livre, mas sim que desaparece até a última garantia contra a sua degradação em bens culturais. A abolição do privilégio cultural por liquidação e venda a baixo preço não introduz as massas nos domínios já a elas anteriormente fechados, mas contribui, nas condições sociais atuais, à própria ruína da cultura, para o pregresso da bárbara ausência de relações. 

A arte ainda mantinha o burguês dentro de certos limites, à medida que era cara. Isso acabou. A sua proximidade absoluta já não mediada pelo dinheiro, para todos aqueles a quem é exibida, é o cume da alienação e aproxima uma à outra no signo da completa retificação. Na indústria cultural, desaparece tanto a crítica como o respeito: àquela sucede a expertise mecânica, a este, o culto efêmero da celebridade. Para os consumidores não existe mais nada que seja caro. Estes, entretanto, intuem que quanto mais lhes regala certa coisa, tanto menor se torna o seu preço. A dupla desconfiança para com a cultura tradicional como ideologia se mistura à desconfiança quanto à cultura industrializada como fraude. 

A cultura é uma mercadoria paradoxal. É de tal modo sujeita à lei da troca que não é nem mesmo trocável; resolve-se tão cegamente no uso que não é mais possível utiliza-la. Funde-se por isso com a propaganda, que se faz tanto mais onipotente quanto mais parece absurda, onde a concorrência é apenas aparente. Os motivos, no fundo, são econômicos. É evidente que se poderia viver sem a indústria cultural, pois já é enorme a saciedade e a apatia que ela gera entre os consumidores. Por si mesma ela pode bem pouco contra esse perigo. A publicidade é o seu elixir da vida. Mas, já que o seu produto reduz continuamente o prazer que promete como mercadoria à própria indústria, por ser simples promessa, finda por coincidir com a propaganda, de que necessita para compensar a sua não fruibilidade. Na sociedade competitiva, a propaganda preenchia a função social de orientar o comprador no mercado, facilitava a escolha e ajudava o fornecedor mais hábil, contudo até agora desconhecido, a fazer com que sua mercadoria chegasse aos interessados. Ela não só custava, mas também economizava tempo-trabalho. Agora que o livre mercado chega ao fim, entrincheira-se na propaganda o domínio do sistema. Ela reforça o vínculo que liga os consumidores às grandes firmas. Só quem pode rapidamente pagar as taxar exorbitantes cobradas pelas agências publicitárias, e, em primeiro lugar, pelo próprio rádio, ou seja, quem já faz parte do sistema, ou é expressamente admitido, tem condições de entrar como vendedor no pseudomercado. As despesas com a publicidade, que terminam refluindo para os bolsos dos monopólios, evitam ter-se, a cada vez, de esmagar a concorrência dos outsiders indesejáveis; garantem que os padrões de valor permanecem entre soi, em círculo fechado, nisto não dissemelhantes, às deliberações dos conselhos econômicos que, no Estado totalitário, controlam a abertura de novas agências ou a gestão das já existentes. A publicidade é hoje um princípio negativo, um aparelho de obstrução, tudo o que não porta o seu selo é economicamente suspeito. A publicidade universal não é em absoluto necessária para dar a conhecer os tipos a que a oferta já está limitada. Só indiretamente ela serve à venda. 

A publicidade torna-se a arte por excelência, como Goebbels, com seu faro, já soubera identifica-la. O caráter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e guiada dos seus produtos, industrializada não só no estúdio cinematográfico, mas virtualmente, ainda na compilação das biografias baratas, nas pesquisas romanceadas e nas canções, adapta-se a priori à propaganda. Já que o momento particular tornou-se separável e fungível, ele se pode prestar a finalidades externas à obra. 

Técnica e economicamente, propaganda e indústria cultural mostram-se fundidas. Quanto mais a linguagem se resolve em comunicação, quanto mais as palavras se tornam, de portadoras substanciais de significado, em puros signos privados de qualidade, quanto mais pura e transparente é a transmissão do objeto intencionada, e tanto mais se tornam opacos e impenetráveis. A desmistificação da linguagem, como elemento de todo processo iluminista, inverte-se em magia. Reciprocamente distintos e indissolúveis, palavra e conteúdo eram unidos entre si. Se a palavra, antes da sua racionalização, tinha promovido, junto com o desejo, mesmo a mentira, a palavra racionalizada tornou-se uma camisa-de-força para o desejo mais ainda que para a mentira. A cegueira e o mutismo dos dados a que o positivismo reduz o mundo atingem mesmo a linguagem que se limita ao registro daqueles dados. Assim os próprios termos se tornam impenetráveis, adquirem um poder de choque, uma força de adesão e de repulsão que os torna parecidos com seu extremo oposto, às fórmulas mágicas. Eles operam como uma espécie de truques, seja que o nome da estrela é inventado no estúdio cinematográfico, segundo a experiência dos dados estatísticos, seja que o welfare state seja caluniado por meio de termos com força de tabu, como “burocratas” ou “intelectuais”, seja que a infâmia se torna invulnerável pelo nome da Pátria.

2 comentários:

Luana disse...

Tirando o breve 1º parágrafo, todo o resto do texto é, me parece, feito de trechos do "O Iluminismo como mistificação de massas" do Adorno e Horkheimer. Você não deixou isso claro e não colocou a referência. Isso é grave!

Rogério Teixeira Baldin disse...

Concordo, Luana!

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